Em lugar de o “Padrão Fifa” chegar aos serviços públicos brasileiros,
deu-se o movimento em sentido contrário: a Fifa está se
“brasilianizando” nos seus padrões corruptivos.
Precisamente
no dia da abertura do mundial de 2014 parece oportuno analisar se o
“Padrão Fifa” chegou ao Brasil (como jocosamente pediram muitos
brasileiros) ou se ela foi “brasilianizada” pelos nossos padrões de
corrupção (internacionalmente conhecidos). O mundo das corporações
corruptas (corporate crime) também constitui uma via de mão
dupla: durante as manifestações de junho/13 muitos cartazes brasileiros
exigiam serviços públicos (saúde, educação, transportes etc.) com
“Padrão Fifa”. Imaginávamos uma Fifa com alto padrão de qualidade e de
competência, em razão das suas exigências e falas duras, em relação aos
preparativos para a Copa/14. Um ano depois daquelas democráticas
manifestações (que não incluíam violência, no princípio), em lugar de o
“Padrão Fifa” chegar aos serviços públicos brasileiros, deu-se o
movimento em sentido contrário: a Fifa está se “brasilianizando” nos
seus padrões corruptivos.
Vários patrocinadores da entidade futebolística mundial (VISA, Sony,
Adidas, Coca-Cola etc.) querem investigações profundas e detalhadas
sobre o processo de eleição da Copa do Mundo de 2022, vencido pelo Catar
(que é governado por uma monarquia petrolífera absoluta, ou seja, uma
petromonarquia). Lá não existe democracia, mas eles têm petróleo,
dinheiro e, também (tal como no Brasil), muita corrupção. A Comissão de
Ética da Fifa (presidida por Michael J. Garcia) está apurando as
denúncias, especialmente a estampada no The Sunday Times, que
afirmou que o dirigente de futebol catariano, Mohamed Bin Hamman (que
fez parte da diretoria da Fifa), teria pago 3,7 milhões de euros (11,2
milhões de reais) a 30 presidentes de futebol africanos para conseguir o
Mundial de 2022 para o Catar (desses, quatro tinham direito a voto no
momento da escolha).
A sustentabilidade do futebol mundial depende de ética e
transparência, assim como de ações efetivas da Fifa, que não se mostrou
nada exemplar no momento de agir contra os ex-dirigentes brasileiros
(João Havelange e Ricardo Teixeira), que receberam gordas propinas
quando dirigiam o futebol internacional e nacional (veja Folha 10/6/14,
p. A2). A Fifa nem sequer discutiu suspender o pagamento das suas
aposentadorias nem procurou exigir o dinheiro desviado (embora houvesse
recomendação nesse sentido do comitê de ética). Ou seja: o “Padrão Fifa”
não chegou ao Brasil, mas ela está nitidamente se “brasilianizando”,
sobretudo ao não apurar seriamente, por exemplo, a denúncia de que
vários jogos no mundial da África do Sul (2010) tiveram resultados
manipulados.
A clássica criminologia chegou a investigar os crimes organizados dos Estados (state crimes) assim como os crimes das corporações econômicas e financeiras (corporate crimes). Agora chegou o momento de sublinhar e prestar atenção na atuação conjunta dos Estados com as corporações (state-corporate crimes):
“quando os poderes político e econômico [Estado mais federações de
futebol, por exemplo] perseguem interesses escusos comuns sua capacidade
de gerar danos sociais massivos ganha extraordinária ampliação”
(Michalowski & Kramer, citados por Bernal Sarmiento, 2014:121). A
intensificação das atuações mútuas, legais e ilegais, entre os Estados e
as corporações dos mercados (econômicos e financeiros), se explica
porque, na estrutura capitalista atual, de inversão e produção, as metas
dos negócios se convertem nos objetivos dos governos, assim como o
interesse e serviços nacionais (saúde, educação etc.) se identificam
progressivamente com as necessidades sistêmicas dos mercados
corporativos (Ross e Parenti, em Bernal Sarmiento, 2014:121). A troika
maligna composta pelos Estados e corporações econômicas e financeiras
corruptas tomou conta do atual capitalismo de mercado que, para
sobrevier, tem que reagir (ou colocará em risco sua sobrevivência).
Fonte: JusBrasil